Quem nos acompanha sabe do prazer que temos em falar sobre arquitetura. Já faz um tempo que temos vontade de dedicar um post para Lina Bo Bardi e explorar com mais profundidade sua biografia e suas obras incríveis. A arquiteta nascida em Roma, em 1914, fez sua história no Brasil e é responsável por famosos projetos como o MASP e a Casa de Vidro. Esta é a primeira vez que testamos este formato de post com 10 minutos de leitura. Esperamos que goste.
Uma frase de Lina Bo Bardi serviu como inspiração no momento de conceber este post: “Há um gosto de vitória e encanto na condição de ser simples. Não é preciso muito para ser muito”. Talvez seja este o estado de espírito que guiou conceitualmente sua obra. A beleza da simplicidade sempre foi objeto de exploração da arquitetura moderna.
Prefere escutar? Gravamos este post em nosso podcast.
Lina formou-se na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma em 1940 e já carregava um diploma de desenho no Liceu Artístico. Infeliz com a linha de pensamento fascista que pairava no ar, especialmente e de forma mais intensa sobre Roma, muda-se para Milão para trabalhar com o arquiteto e empresário Gió Ponti e acaba dirigindo a revista Domus.
No mesmo período começa a ter uma atuação política ativa, fazendo parte da resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra e também do Partido Comunista Italiano, ainda clandestino na época. Após algum tempo, funda sua própria revista, A Cultura Della Vita, ao lado do arquiteto e crítico Bruno Zevi.
Esgotada pelo trauma e insegurança dos anos vividos durante a guerra, casa-se em 1946 com o crítico de arte Pietro Maria Bardi, com quem decide deixar a Itália e construir uma nova vida no Brasil. Em sua nova pátria, Lina se sente preenchida de inspiração e motivação para ampliar o conceito e alcance de suas idéias. Sua relação com a arquitetura moderna faz muito sentido em terras brasileiras e o momento cultural e intelectual vivido pelo país formava o terreno perfeito para os anos seguintes.
Um ano após a chegada, seu marido é convidado por Assis Chateaubriand a fundar e dirigir o que viria a ser o MASP alguns anos depois. O projeto fica a cargo de Lina, que desenha também a famosa cadeira dobrável de madeira, que ganha o título de “primeira cadeira moderna do Brasil”.
Ao lado do arquiteto Giancarlo Palanti funda em 1948 o Studio d’Arte Palma, com a proposta de produzir de forma manufaturada móveis de madeira com elementos brasileiros no acabamento. Em 1950 cria a revista Habitat e se insere de forma efetiva na cena da arquitetura brasileira. Na mesma época projeta sua residência no bairro do Morumbi, que ganha o apelido carinhoso de “Casa de Vidro” e logo se torna um ícone da arquitetura em São Paulo. Esta é sem dúvida sua primeira obra marcante, considerada um grande marco da arquitetura modernista paulista.
A ascensão de sua carreira como arquiteta tem início quando é convidada para projetar a nova sede do MASP, em 1957, na Avenida Paulista. O projeto ousado tinha a missão de criar um espaço único que viria a se tornar um cartão postal da cidade. A obra foi concluída em 1968 e até hoje surpreende quem passa no local.
A convite do governador da Bahia, Juracy Magalhães, se muda para Salvador em 1958 para dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia. Lá, cria um forte vínculo com a comunidade de artistas vanguardistas da época, entre eles o cineasta Glauber Rocha. A influência da cultura nordestina se faz presente em sua obra desde então. Voltando para São Paulo após o golpe militar em 1964, Lina passa a projetar e se envolver em diversos famosos projetos que veremos mais à frente.
Do anos 70 até seu falecimento em 1992, Lina Bo Bardi deixou um legado através de suas obras. Embora ela e seu marido fossem figuras respeitadas dentro do circuito intelectual e cultural da cidade, a arquiteta teve que enfrentar diversos obstáculos pelo fato de ser mulher em um universo predominantemente masculino.
A beleza e complexidade de sua obra residem justamente no fato de Lina ter o grande desejo de colocar a arquitetura moderna em prática sem deixar de olhar para o que é popular. Este ponto de vista a coloca em um patamar muito mais alto, que vai além do que seria esperado de um arquiteto e urbanista.
A morte de Lina Bo Bardi se deu em 20 de março de 1992, aos 77 anos. Até seus últimos dias ela continuou trabalhando e produzindo; sempre com muito amor, coerência e doação.
Fizemos questão de pinçar com muito cuidado e carinho algumas frases de Lina Bo Bardi que mostram como sua linha de pensamento sempre rejeitou qualquer tipo de exclusão. Pelo contrário. A preocupação com a simplicidade e inclusão, e a influência da cultura brasileira, são constantes na sua obra.
Seu ponto de vista sobre o mundo e a vida sempre transitou entre opostos. Marcelo Carvalho Ferraz, importante arquiteto brasileiro, conta neste incrível post as experiências que carrega por ter vivido alguns anos ao lado de Lina.
“Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi esse lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha ‘Pátria de Escolha’, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri, ao Triângulo Mineiro, às cidades do Interior e as da Fronteira.”
“Aqueles que deveriam ter sido anos de sol, de azul e alegria, eu passei de baixo da terra correndo e descendo sob bombas e metralhas”
“Tenho horror em projetar casas para madames, onde entra aquela conversa insípida em torno da discussão de como vai ser a piscina, as cortinas…”
“A finalidade da casa é a de proporcionar uma vida conveniente e confortável, e seria um erro valorizar demais um resultado exclusivamente decorativo.”
“O passado não volta. Importante são a continuidade e o perfeito conhecimento de sua história.”
Com certeza em algum momento vamos dedicar um post único para falar sobre as obras de Lina Bo Bardi. Como hoje a idéia é uma visão ampla da biografia da arquiteta, selecionamos algumas obras clássicas que foram fundamentais para a carreira de Lina.
No começo dos anos 50 o Morumbi era um bairro de São Paulo distante e pouco habitado. A paisagem era predominantemente verde e a região era ocupada por grandes propriedades rurais. Este contexto é importante para entender como Lina visualizou sua casa convivendo em harmonia com o ambiente ao redor. A Casa de Vidro foi a primeira casa construída no bairro.
Sua primeira obra é uma referência da arquitetura moderna brasileira e um dos primeiros projetos desta escola de arquitetura no Brasil. O projeto respeita o terreno em aclive e a estrutura utiliza finas colunas para sustentar a casa, criando um maravilhoso vão livre.
A fachada composta exclusivamente por vidro é a característica mais marcante e originou o famoso apelido. A vegetação e iluminação natural interagem com os ambientes da residência de forma delicada e extremamente funcional. Lina morou na Casa de Vidro com seu marido por mais de 40 anos e atualmente a residência é sede do Instituto Lina Bo Bardi, com visitação aberto ao público.
Com o aumento exponencial do acervo do então Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, houve a necessidade de mover o MASP da Rua 7 de Abril para um novo local, maior e mais privilegiado. O doador do terreno na Avenida Paulista colocou uma condição: preservar a vista para o centro de cidade.
Lina foi convidada para liderar o projeto do MASP com o desafio de oferecer um espaço funcional para as exposições. Mostrando que suas habilidades iam muito além da solução arquitetônica, Lina visualizou a bela e imponente estrutura do MASP, com seu imenso vão livre tendo desde o início a proposta de ser um espaço público.
O MASP é um dos principais museus da América Latina, com um acervo de mais de 8.000 obras e uma programação intensa. O famoso vão livre é um ponto de encontro em São Paulo e aos finais de semana recebe a tradicional feirinha de antiguidades e badulaques.
De uma fase diferente de Lina Bo Bardi, o SESC Pompéia é outro patrimônio de São Paulo que tem uma importância fundamental na cena cultural da cidade. Projetado em 1977 e inaugurado em 1982, serviu de berço para a efervescente cena punk paulista e outra manifestações artísticas da época. Por lá passaram bandas como Ratos de Porão, Cólera e Olho Seco.
Quando foi convidada para fazer o projeto do SESC Pompéia, Lina tinha plena consciência do tamanho do desafio: a nova unidade seria instalada em um antigo parque fabril e precisava comportar áreas de lazer, esporte, exposição, shows ao vivo e praça de alimentação.
O jornal The Guardian elegeu, em 2016, as principais edificações em concreto ao redor do mundo. O SESC Pompéia figura em 6º lugar, evidenciando mais uma vez a habilidade de Lina Bo Bardi com grandes estruturas de concreto.
A tônica de Lina Bo Bardi, como enfatizamos anteriormente, era a busca por uma arquitetura simples, funcional e voltada para seus utilizadores. O projeto da Igreja do Espírito Santo traz este traço da arquiteta à tona de uma forma muita pura.
A igreja localizada em Uberlândia tem seu formato inspirado nas formas de obras romanas, berço de Lina. O projeto superou o desafio de integrar os diferentes espaços utilizando quatro grandes platôs. A construção utilizou processos alternativos e materiais típicos da arquitetura mineira, como barro e madeira.
Lina viveu anos de bate e volta entre São Paulo e Minas durante a concepção e execução da obra. É interessante destacar o curioso cunho comunitário deste projeto: o trabalho de efetivamente erguer a igreja veio das mãos da própria comunidade, com moradores se organizando em mutirões para realizar o trabalho.
Desde 1990 a Casa de Vidro sedia o Instituto Lina Bo Bardi. A proposta do instituto é promover a cultura e a cena artística brasileira para a população local e também para estrangeiros. O casal Bardi sempre teve uma presença ativa no cenário cultural e fez muito pelas artes.
Para quem curte arte e arquitetura, visitar o Instituto Lina Bo Bardi é uma grande viagem. Fora a contemplação estética da Casa de Vidro, o vasto acervo reúne diversas obras do casal, manuscritos e fotografias.
A programação do Instituto é 100% voltada ao impulsionamento da produção cultural local, contando com exposições, palestras e eventos. Há também uma frente de trabalho que apóia projetos culturais na área de pesquisa, artes plásticas, design e urbanismo.
Rua General Almério de Moura, 200 | Telefone: Tel: (11) 3744-9902
Esperamos que nosso post sobre Lina Bo Bardi tenha sido inspirador! Se além da arquitetura você também gosta de explorar as delícias gastronômicas de São Paulo, fica o convite para conferir nossa lista com restaurantes imperdíveis no centro de SP. Nos vemos por aí!